Nossos conselhos não são tão importantes como pensamos
Sem pedido e permissão, não passam de arrogância e desrespeito

[esse texto foi publicado originalmente em 19/agosto/2017 em meu blog anterior]
Se pararmos para observar o quão normal é a falta de escuta que temos uns com os outros, ficaremos horrorizados.
Falo de uma escuta ativa, quando praticamos empatia e buscamos entender com curiosidade a outra pessoa. Às vezes, bastando estar ali presentes para a pessoa.
Enquanto alguém está falando, é comum estarmos pensando no que vamos responder, pensando no próximo assunto, nos afazeres do outro dia, em qualquer outra coisa, e de vez em quando, por sorte, estamos escutando.
“A maioria das pessoas não ouve com a intenção de entender elas ouvem com intenção de responder.” — Steven Covey, The Seven Habits of Highly Effective People
Para agravar, às vezes nos sentimos a pessoa mestra da situação. Não queremos aceitar quietos o que estamos ouvindo, seja por alguém:
estar triste desabafando conosco e desejamos dar a dica do ano sobre a “felicidade da vida”;
parecer estar tomando a decisão errada e queremos logo mostrar o “caminho certo”;
Ou por qualquer outro motivo. E, como uma “boa pessoa amiga” e conhecedora do universo que pensamos que somos, oferecemos um conselho.
Oras, queremos ajudar. Para isso servem as pessoas amigas, não?
Nem sequer reparamos que a outra pessoa não pediu qualquer conselho. Provavelmente ela não queria. Ela queria ser vista, escutada, percebida, entendida, acolhida.
Provavelmente naquele momento ela nem pensava em resolver algum problema para lançarmos uma solução ou explorar ideias.
Tomados por egocentrismo, acreditamos ser a régua para medir o mundo e conhecedores do tempo certo das coisas. E assim, consideramos que — ouça você — vamos lhe entregar uma pérola rara. Aproveite nosso conselho, e agora. Como se para a outra pessoa fosse uma chance única e irrecusável conseguir saber nosso julgamento sobre algo, justamente naquele momento.
“Quando um ser humano diz a outro ser humano o que é ‘real’, o que ele na verdade está fazendo é exigindo obediência. Ele está afirmando ter uma visão privilegiada da realidade.” — Humberto Maturana — biólogo chileno, mencionado no livro On Dialogue (Routledge Classics) de David Bohm.
Penso que conselho de forma geral é uma forma de impôr os próprios valores quando alguém não faz um pedido claro por aconselhamento ou não confirma que deseja nossa oferta por ele.
Observe da próxima ver que se pegar dando um conselho.
Pode ser uma forma rápida de perceber se está realmente escutando alguém, tentando se conectar, ou se está apenas orbitando ao redor dos seus próprios pensamentos e julgamentos.
Imagine que está conversando com uma pessoa bem idosa
Quando conversamos com uma pessoa bem idosa, nós possivelmente:
Damos tempo para ela terminar as frases e se lembrar em como construir a história.
Escutamos atentamente.
Fazemos perguntas curiosas para entendê-la melhor.
Repetimos algo pacientemente com outras palavras que possam facilitar e ilustrar o significado que desejamos compartilhar, quando ela não entende algo.
Não tentamos aconselhá-la, sem o pedido dela.
E se experimentarmos ter as mesmas atitudes com as demais pessoas?
Quando alguém te pede conselho…
Mesmo quando alguém diretamente te pedir conselhos, lembre-se de que provavelmente você estará fazendo um julgamento da situação apenas com um recorte que a pessoa lhe trouxe, e mesmo se ela tentar te contar um contexto super aprofundado, ainda estaremos lidando com apenas uma perspectiva, a dela, e com os vieses naturais a partir disso.
Ou seja, nosso conselho possivelmente será bem limitado, enviesado, e não levará em conta outras perspectivas e informações do contexto. Por isso mesmo, possivelmente não será tão útil ou sábio quanto possamos imaginar.
Oferecendo aconselhamento
Ainda assim, você pode achar importante oferecer aconselhamento.
Então, aqui estão possíveis situações para avaliar essa oferta:
A pessoa está pedindo informações.
Você acha que a pessoa está mal informada.
Você acha que a pessoa não tem informações sobre o assunto.
Você está pensando em uma ideia que pode ser útil para a pessoa.
Contudo, antes de aconselhar, considero importante os passos abaixo:
Descobrir: descubra o que a pessoa já sabe sobre o assunto. Muitas vezes ela já sabe o que você deseja falar. E não precisa gastar o tempo dela com repetição dos mesmos assuntos. E nem o seu.
Confirmar: confirme se ela deseja saber sua perspectiva, se você pode compartilhar como enxerga a situação ou o que acha que pode ser útil a ela.
Fornecer: forneça as informações.
Descobrir: descubra a percepção da pessoa sobre o que você falou.
As dicas acima foram inspiradas na Entrevista Motivacional (Motivational Interviewing). É uma abordagem de aconselhamento desenvolvida por psicólogos clínicos.
Leitura adicional recomendada:
Debate, uma ferramenta potencialmente ineficaz
A palavra debate vem do verbo latino debattuere, derivado de battuere, que exprime a ação de golpear repetida e energicamente mas sem matar. Uma disputa incisiva de ideias. Uma ferramenta que parece muito mais útil para o ego do que para o convencimento.
Perspectivas sobre conflitos
Jacque Fresco (futurista americano e engenheiro social auto-descrito)
No vídeo abaixo Jacque Fresco (futurista americano e engenheiro social auto-descrito) fala sobre conselhos: como geramos conflitos e como podemos resolvê-los:
Alguns trechos do vídeo:
[…] “O melhor jeito de evitar conflito é não impor seus valores, mesmo que sejam melhores do que os valores da outra pessoa.”
[…] “Quando lida com pessoas, seja qual for a visão delas, a menos que elas perguntem “o que acha do meu ponto de vista?”, então você pode dar sua opinião.”
[…] “Conflitos acontecem quando uma pessoa não procura pelo seu conselho e você a aconselha.”
[…] “A pergunta é: quão diferente a experiência da pessoa é da sua?”
[…] “O principal que você tem que manter em mente é: outras pessoas vêm de lugares diferentes e veem a mesma coisa que você vê mas a interpretação delas é diferente.”
[…] “Às vezes as pessoas não querem conselhos. Parem de ficar dando conselhos uns aos outros. Isso produz antagonismo. A menos que elas peçam.”
[…] “Esta é uma forma absoluta? É uma forma melhor de lidar com as pessoas pois você não pode mudá-las apontando “o seu problema é que não ouve ninguém”. Isso não fará com que ouçam agora.”
William R. Miller (psicólogo clínico americano; autor de livros)
E no vídeo abaixo, William R. Miller (psicólogo clínico americano; autor de livros), traz também uma rápida perspectiva sobre conselhos no meio de um vídeo sobre empatia e escuta:
Um trecho:
como seres humanos, quando você é aconselhado a fazer algo, a reação normal é não fazê-lo, mesmo se concordar com o conselho. […] dar conselhos não é uma coisa particularmente útil para fazer, a menos que a pessoa peça ou esteja lhe dando permissão.
[…] conselho não solicitado é bastante inútil […] muitas vezes sai pela culatra.