Produtos Evolutivos - Como Aplicar a Analogia da Evolução para Evoluir seu Produto
Princípios, Critérios e Reflexões para uma Abordagem Evolutiva em Produtos
[esse texto foi atualizado e refinado em 24/fevereiro/2025 com base em meu texto original de 14/abril/2022]
Evolução
É fundamental reconhecer, desde o início, que a perspectiva sobre evolução que irei apresentar aqui é inspirada no livro “Why Greatness cannot be planned — The myth of the objective” (tradução livre: Por que algo grandioso não pode ser planejado: O mito do objetivo), dos autores Kenneth O. Stanley e Joel Lehman. É importante notar que esta não é a única maneira de entender a evolução, mas oferece uma lente excepcionalmente útil para o contexto de produtos digitais. Ela nos encoraja a pensar a inovação de forma mais aberta e adaptável ao ambiente incerto do mercado.
O livro propõe uma ideia central: a evolução não possui um objetivo predefinido. Em vez de um trajeto linear rumo a uma meta, a evolução seria um processo contínuo de busca, descoberta e geração de novidade — algo novo, original ou incomum — não planejado ou rigidamente dirigido. A tentativa de alcançar um resultado premeditado, paradoxalmente, limitaria a diversidade e a complexidade que a evolução naturalmente produz.
Os autores utilizam a expressão “stepping-stones” para descrever essa busca. Imagine pedras em um rio sinuoso ou em meio a uma mata. Ao pisar em uma delas, exploramos o entorno e vislumbramos novas pedras como possibilidades interessantes para seguir adiante. E assim a jornada continua, de pedra em pedra, enquanto novas opções surgem.

A tradução literal de “stepping-stones” para o português seria “trampolins”. No entanto, essa tradução não captura a nuance que os autores pretendem transmitir. Acredito que “pedras de transição” seja uma tradução livre mais adequada ao nosso contexto. Essas "pedras" são experienciadas à medida que descobrimos as próximas, a partir delas.
As pedras em que pisamos se acumulam, potencializando a descoberta de novos caminhos e novas pedras. Em uma perspectiva de longo prazo, é impossível prever o destino final da jornada ou a localização exata das próximas "pedras de transição". Muitas descobertas significativas só se tornam possíveis através do acúmulo dessas "pedras", no exato momento em que as alcançamos.
Como ilustram os autores:
Por exemplo, o primeiro computador foi construído com tubos de vácuo, que são dispositivos que canalizam a corrente elétrica através do vácuo. No entanto, aqui está a parte estranha: a história dos tubos de vácuo não tem nada a ver com computadores. Pessoas como Thomas Edison, que originalmente se interessavam por tubos de vácuos estavam investigando eletricidade, não computação. Mais tarde, em 1904, o físico John Ambrose Fleming refinou a tecnologia para detectar ondas de rádio, ainda sem noção de construir um computador. Foi apenas décadas depois que os cientistas perceberam pela primeira vez que tubos de vácuo poderiam ajudar a construir computadores, quando o ENIAC foi finalmente inventado.
Para reforçar essa linha de pensamento, os autores desenvolveram um software-jogo chamado Picbreeder – reprodutor de imagens. O jogo inicia com imagens abstratas, e o usuário pode selecionar uma e gerar novas imagens a partir dela, indefinidamente, sem um objetivo específico.
Essas imagens evoluem continuamente, servindo como "pedras de transição" para outras imagens potenciais. Em um experimento com este jogo, diversos padrões familiares do nosso mundo surgiram espontaneamente, sem qualquer objetivo predefinido de alcançá-los.
Para testar ainda mais essa abordagem, eles realizaram um experimento comparativo: tentar gerar imagens semelhantes às anteriores, mas agora com um objetivo automatizado, em vez de exploração aleatória.
Eles calcularam o número de passos necessários para alcançar imagens similares usando ambos os métodos: exploração aleatória e busca com objetivo.
O resultado do processo com objetivo? Significativamente menos eficaz.🤯
[…] mesmo que um conjunto de usuários juntos tenha desenvolvido uma imagem de um crânio em apenas 74 gerações, 20 tentativas automatizadas de 30.000 gerações foram incapazes de reproduzir o resultado. Picbreeder está cheio de tais imagens, ou seja, cada uma evoluiu por usuários em apenas algumas dezenas de gerações e sem objetivos específicos, mas cada um quase impossível de reproduzir quando eles se tornarem objetivos.
— Fonte: Exploring Promising Stepping Stones by Combining Novelty Search with Interactive Evolution
Para aprofundar seu conhecimento sobre o experimento, além da leitura do livro, você pode:
ler a apresentação The Picbreeder Experiment em pdf
assistir o vídeo onde um dos autores aborda todo o contexto do livro, Kenneth Stanley: Why Greatness Cannot Be Planned: The Myth of the Objective
ler o estudo Exploring Promising Stepping Stones by Combining Novelty Search with Interactive Evolution
Forças que impulsionam a evolução
Para aplicar essa perspectiva ao desenvolvimento de produtos, é útil compreender as forças que impulsionam a evolução.
Podemos destacar ao menos seis forças relevantes para este contexto:
1. Seleção natural
A seleção natural é um mecanismo de otimização da busca-descobridora-e-geradora, utilizando dois critérios principais: sobreviver e reproduzir. [1]
Assim como na evolução biológica, a seleção natural em produtos não deve ser vista como um objetivo em si, mas como uma ferramenta otimizadora dentro de um processo de busca contínua e adaptativa.
Estratégias de produto inspiradas pela seleção natural podem ser direcionadoras, mas devem evitar a fixação em alvos de longo prazo excessivamente específicos, sob o risco de se tornarem menos eficazes e menos adaptáveis.
Para aprofundar essa discussão sobre os perigos de metas e objetivos, você pode ler o texto: Metas em organizações: perigos e alternativas. Utilize objetivos ou metas por sua conta e risco como estratégia.
2. Mutação
Mutação é uma variação genética resultante de pequenos "erros de cópia" durante a reprodução [2].
Em produtos digitais, podemos pensar em "mutações" como pequenas variações inesperadas – talvez até mesmo "bugs" – que, surpreendentemente, revelam um novo uso ou potencial para uma funcionalidade existente.
3. Deriva genética
Deriva genética refere-se a variações genéticas aleatórias entre gerações devido a eventos casuais, inicialmente imperceptíveis à seleção natural.
Essa deriva — desvio aos poucos — permite que características evoluam de forma neutra, sem pressão seletiva imediata, podendo tornarem-se aspectos importante em espécies futuras. [3]
Em produtos, podemos considerar "derivas" como pequenas alterações da plataforma, design ou funcionalidades secundárias que, sem impacto imediato, podem abrir caminho para novas soluções ou atender a necessidades de nichos específicos de usuários no futuro.
4. Migração — Fluxo Gênico
Migração, ou fluxo gênico, é a variação genética resultante da troca de genes entre populações. Uma difusão lenta de genes cruzando barreiras reprodutivas. Podendo ocorrer pela migração física entre regiões. [4]
Em produtos, o "fluxo gênico" pode ser análogo à integração com outras soluções, à incorporação de influências de diferentes "culturas" (raciais, étnicas, culturais, ou mesmo de diferentes áreas de conhecimento).
Essa "migração" de ideias e funcionalidades pode gerar variação e influenciar a trajetória evolutiva de um produto.
5. Exaptação
Exaptação é uma adaptação biológica onde uma característica, inicialmente com uma função em um contexto, passa a desempenhar outra função em um novo contexto. [5]
A exaptação é uma força poderosa na busca não-objetiva da evolução, pois descobertas úteis para um propósito inicial frequentemente se revelam valiosas de maneiras inesperadas no futuro.
O exemplo do tubo de vácuo, que surgiu para investigações em eletricidade e foi "exaptado" para a computação, ilustra claramente esse conceito.
Lembra da história do tubo de vácuo, contada mais acima? Veja como ela tem relação com exaptação, nas palavras dos autores do livro:
O tubo de vácuo que foi inventado apenas para a ajuda nas primeiras investigações sobre eletricidade foi exaptada mais tarde para permitir a computação. Desta forma, a exaptação é uma das principais propriedades que potencializam a busca não-objetiva. Um padrão intrigante que observamos em muitos tipos diferentes de processos de pesquisa é que descobertas interessantes para um propósito muitas vezes se mostram úteis em o futuro de várias maneiras inesperadas.
6. Concorrência local
Concorrência local, na evolução, é a competição restrita a um determinado nicho ou localização geográfica. Diferencia-se da concorrência global, que poderia levar à convergência e à redução da diversidade. A competição local, ao contrário da global, potencializa a diversidade, pois organismos buscam nichos específicos para minimizar a competição direta. [6]
Um trecho do livro "Why Greatness Cannot Be Planned" resume bem essa ideia:
A concorrência pode ser a menos interessante das forças evolutivas porque tende a diminuir a diversidade. Diferente a acumulação de diferentes formas de viver que resulta da descoberta de novos nichos, a competição não é uma força puramente criativa. É mais uma força que otimiza criaturas dentro de um nicho específico, ou de forma limitada em nichos. — Trecho do livro o Why Greatness cannot be planned — The myth of the objective
A competição local, portanto, otimiza criaturas dentro de nichos específicos e estimula a criação de novos nichos, promovendo a diversidade.
Genótipo e Fenótipo
Além das forças evolutivas, é útil considerar os conceitos de genótipo e fenótipo. Genótipo refere-se ao material genético transmitido entre gerações, enquanto Fenótipo são os traços ou características observáveis de um organismo. [7]
Para lembrar a diferença: genótipo é a "origem" de uma característica, fenótipo é a "evidência" dessa característica.
Um fenótipo pode ser diretamente determinado pelo genótipo, mas também pode ser influenciado por fatores ambientais. [8]
Nem todo fenótipo é facilmente observável — como o tipo sanguíneo, por exemplo.
No contexto de produtos, e inspirados no texto “Genotype and Phenotype of software products”, de Michael Dubakov, podemos pensar em um genótipo de produto flexível como a base, a estrutura adaptável do produto, capaz de se manifestar de diferentes formas (fenótipos) dependendo do contexto.
Idealmente, um produto digital deveria ter flexibilidade ("genótipo") suficiente para que os usuários pudessem "ativar" certos recursos e construir o "fenótipo" (a customização, a experiência de uso) mais adequado às suas necessidades e perfis.
A estratégia de muitas ferramentas digitais de oferecer modelos (templates) para uso do produto ilustra bem a expressão de fenótipos. Templates evidenciam diferentes características e utilidades do produto em diversos contextos, tornando o potencial "genético" da ferramenta mais perceptível e acessível aos usuários.
Mapeamento de Conexões — Relações
Michael Dubakov, em “Use Networks to Prioritize Product Features”, sugere que, em vez de priorizar soluções apenas por impacto e esforço, devemos considerar também as conexões entre funcionalidades. E, de fato, o conceito de conexões se alinha de forma interessante com a perspectiva da evolução que temos explorado.
Espaço da solução
O "espaço da solução" refere-se ao conjunto de soluções existentes e suas inter-relações.
Nesse espaço, ao avaliar uma nova funcionalidade, devemos considerar: com quais outras funcionalidades ela se conectará, afetando-as ou as potencializando?
Quanto maior o número de conexões positivas com outras funcionalidades, maior pode ser a importância dessa nova funcionalidade.

Anton Iokov, expandindo a ideia de Michael no texto “Enhancing prioritization with networks”, recomenda observar conexões que abrem caminho para novas funcionalidades ou aprimoram as existentes, diferenciando-as de conexões que adicionam complexidade ou atrasam o desenvolvimento.

Espaço do problema
O "espaço do problema", por outro lado, foca nas necessidades e intenções dos usuários, independentemente das soluções existentes.
Nessa dimensão, devemos avaliar: com quais outros casos de uso a nova funcionalidade se conecta, atendendo ou impactando positivamente?
Quanto mais conexões com diferentes casos de uso, maior a relevância e importância da funcionalidade.

Fórmula
Para representar essa ideia de forma inicial, Michael Dubakov propõe uma função simples para estimar a importância de uma funcionalidade:
Importância da funcionalidade = f(número de conexões entre funcionalidades, número de conexões entre casos de uso).
Ele também sugere que, para uma análise mais completa, deveríamos considerar pelo menos mais dois parâmetros:
estratégia atual e casos de uso prioritários (atribuindo maior peso a eles)
esforço de implementação
Para refinar ainda mais essa avaliação, poderíamos nos inspirar em algoritmos como o PageRank do Google.
O PageRank avalia a importância de uma página web contando o número e a qualidade de links recebidos.
No entanto, no contexto de funcionalidades de produto, Anton Iokov propõe uma adaptação interessante: contar as relações de saída, não de entrada. Ou seja, quanto mais conexões surgem a partir de uma funcionalidade, maior sua importância.

Em seus textos, Michael e Anton exploram a possibilidade de pontuar essas conexões com base em diferentes dados para auxiliar na priorização. Ao incorporar redes de conexões na priorização, as dependências entre funcionalidades seriam resolvidas — automaticamente — de forma mais sistemática.
Pausa —mapeamento não é algo novo
A ideia de mapear conexões não é inédita. No entanto, observo que ela ainda é subutilizada no dia a dia do desenvolvimento de produtos, sendo mais comum em áreas como design organizacional e mapeamento de sistemas complexos.
Caso deseje explorar mais sobre o mapeamento de conexões, você pode consultar:
Unfolding the interrelationship diagram — Ryan Singer, que trabalhou com produto na Basecamp. Aqui ele mostra forma de descobrir dependência e sequenciar a execução de escopos de uma solução.
E muitas outros métodos de mapeamento de sistemas complexos.
Conectando mapeamento de conexões e evolução
Como o mapeamento de conexões se relaciona com a evolução? Aqui está uma possível conexão:
Deriva genética: Uma alteração aparentemente pequena e inicialmente despercebida nas conexões entre funcionalidades e casos de uso pode, ao longo do tempo, desencadear e potencializar o surgimento de novas funcionalidades ou produtos. Imagine, por exemplo, uma pequena otimização na forma como diferentes partes de um software se comunicam (conexões internas). Essa mudança, a princípio sutil, pode criar as bases para integrações futuras inesperadas ou para a criação de um novo produto totalmente diferente no longo prazo.
Fluxo gênico: A integração com outras soluções (fluxo gênico no contexto de produtos) pode influenciar a direção do desenvolvimento de um produto, alterando o "espaço de conexões" existente. Integrar um produto com uma plataforma externa, por exemplo, pode abrir um leque de novas conexões com funcionalidades e dados dessa plataforma, modificando o potencial evolutivo do produto original.
Exaptação: Uma funcionalidade desenvolvida considerando uma ampla gama de conexões com outras soluções e casos de uso (pensando em "ambientes diversos", como discutimos no contexto de genótipo e fenótipo) pode, posteriormente, ser "exaptada" para atender a uma função completamente diferente da original. Uma funcionalidade de "upload de arquivos" criada para um propósito específico pode, inesperadamente, se tornar a base para uma nova funcionalidade de "compartilhamento colaborativo de documentos", por exemplo.
Podemos, portanto, interpretar o mapeamento de conexões como uma ferramenta valiosa para identificar e cultivar as "pedras de transição" que impulsionam a evolução de produtos.
Produtos evolutivos
Produtos evolutivos são aqueles que se favorecem dos mecanismos da evolução para uma adaptação contínua.
É crucial lembrar que a evolução não está restrita a um produto específico, mas sim ao espaço mais amplo de possíveis soluções em que as organizações atuam. Assim como a evolução biológica não se concentra em uma única espécie, mas na evolução de espécies, a evolução de produtos se preocupa com a evolução do "ecossistema de soluções".
É importante notar que, mesmo produtos que não são explicitamente projetados como "evolutivos" ainda passam pelos mecanismos da evolução, mesmo que de forma passiva, sem que se perceba ou se influencie ativamente esses mecanismos.
A escala de tempo é um fator relevante aqui. No mundo de produtos digitais, a escala para observar mudanças significativas ou realizar adaptações necessárias pode ser de poucos meses, em comparação com as centenas de milhares de anos da evolução biológica.
As "novidades" geradas e descobertas nesse processo evolutivo podem assumir diversas formas: novas estratégias, design organizacional inovador, conceitos inéditos, novas formas de se conectar com o público, mudanças estruturais no produto (mesmo que inicialmente invisíveis para o usuário), novos nichos de mercado, experimentos audaciosos, modelos de negócio disruptivos, novas precificações, tecnologias emergentes, integrações inovadoras, ou o desenvolvimento de produtos completamente novos.
É essencial compreender que "evolução de produtos" não implica que um produto seja intrinsecamente "melhor" que outro, muito menos em todas as dimensões. Nem significa que apenas um produto sobreviverá no "espaço" de um problema específico.
Em um ecossistema de produtos saudável, espera-se uma variedade de "espécies" de produtos, cada qual com características distintas e adaptadas a diferentes contextos, coexistindo, "sobrevivendo" e "se reproduzindo" em seus nichos.
É importante reconhecer, também, que o "efeito" da evolução pode não ser a sobrevivência do seu produto específico. Seu produto pode ser, em última instância, apenas uma "pedra de transição" que pavimenta o caminho para outros produtos — sejam da sua organização ou de outras.
Finalmente, é crucial direcionar nossa atenção para a evolução da organização como um todo, incluindo sua estrutura e seus processos internos. Essa evolução organizacional, frequentemente, antecede e possibilita a evolução e a inovação de produtos. Se você busca ferramentas para impulsionar essa evolução organizacional, convido a conhecer uma tecnologia social focada nisso, Contornos.
Minha expectativa é que os critérios listados mais abaixo sirvam de inspiração e discussão tanto para ideações de novas soluções quanto para comparação entre soluções para apoiar na priorização de implementação.
Forças da evolução traduzidas em critérios de avaliação
Minha expectativa é que os critérios listados mais abaixo sirvam de inspiração e discussão, tanto para ideações de novas soluções quanto para comparação entre soluções para apoiar na priorização de implementação. É crucial entender que estes não são um método ou framework prescritivo, mas sim um guia para reflexão estratégica.
Afinal, para priorização de produto, já existem pra lá de 100 métodos existentes. Não que seja errado criar mais um método de acordo com seu contexto ou preferência. A questão é que os desafios de produto de modo geral não são a falta de frameworks. Há abundância deles.
Com os critérios abaixo, que se inspiram nas forças da evolução biológica, você poderá:
Refletir a sós.
Discutir em grupo.
Mapear e representar as conexões entre os critérios.
Conectar evidências com os critérios.
Tornar os critérios mensuráveis, subjetivamente, pontuando em uma régua de 1 — discordo totalmente — a 5 — concordo totalmente. Cuidado: as pontuações não refletirão algo objetivo e nem uma verdade absoluta. A utilidade está na reflexão, na comparação e na discussão que eles estimulam.
Lembre-se que a evolução é uma jornada de descoberta, não um caminho linear para um destino predefinido. Utilize estes critérios como lentes para explorar o espaço de possibilidades e identificar "pedras de transição" que podem levar à inovação e adaptação de seus produtos.
Critérios de Produtos Evolutivos
1. Alinhamento Estratégico e de Negócio (Principalmente Seleção Natural): Garantindo que a evolução do produto contribui para a direção geral e a saúde do negócio.
1.1. Se conecta à estratégia principal da empresa.
Pergunta-Chave: Como essa funcionalidade/produto proposto impulsiona nossos objetivos estratégicos de longo prazo?
Exemplo: Se a estratégia é expandir para mercados internacionais, uma funcionalidade de tradução e localização seria altamente relevante.
1.2. Se conecta aos princípios e valores do negócio e produto.
Pergunta-Chave: Esta solução está alinhada com nossos princípios fundamentais? Ela reforça nossa identidade e propósito?
Exemplo: Para um produto focado em privacidade, garantir que novas funcionalidades também respeitem e aprimorem a privacidade do usuário.
1.3. Melhora a saúde da empresa: finanças, parcerias, marca.
Pergunta-Chave: De que forma esta solução pode fortalecer a empresa em termos financeiros, de parcerias estratégicas ou de reputação da marca?
Exemplo: Uma nova funcionalidade que abre um novo fluxo de receita ou atrai um parceiro estratégico importante.
2. Vantagem Competitiva e Diferenciação (Concorrência Local e Mutação/Fenótipo Diferenciado): Destacando o produto no mercado e construindo defesas contra a concorrência.
2.1. Vantagem Competitiva de Difícil Imitação.
Pergunta-Chave: O que torna esta solução difícil de ser copiada ou superada pela concorrência? Quais barreiras de entrada estamos construindo?
Exemplo: Tecnologia proprietária, rede de usuários estabelecida, conhecimento especializado único.
2.2. Otimização de Margem de Lucro.
Pergunta-Chave: Como esta solução contribui para otimizar nossa rentabilidade? Ela aumenta a receita, reduz custos, ou ambos?
Exemplo: Automatização de processos que reduzem custos operacionais, novas funcionalidades premium com maior margem.
2.3. Atende outros públicos: público ao redor de uma outra intenção (job to be done), outros segmentos, outra comunidade, outra localização geográfica.
Pergunta-Chave: Esta solução abre portas para atender novos grupos de usuários, necessidades inexploradas ou mercados adjacentes?
Exemplo: Adaptar um produto existente para um novo segmento demográfico ou caso de uso diferente.
2.4. Potencializa o surgimento de comunidades que oferece força para sobrevivência e reprodução da solução ou negócio.
Pergunta-Chave: Como esta solução pode fortalecer ou criar uma comunidade engajada em torno do produto, que o sustente e promova?
Exemplo: Funcionalidades que incentivam a interação entre usuários, fóruns de suporte da comunidade, programas de embaixadores.
2.5. Posicionamento diferenciado e perceptível do que o mercado atual.
Pergunta-Chave: Esta solução realmente se destaca no mercado? Ela oferece algo genuinamente melhor, novo ou diferente, que os usuários percebam e valorizem?
2.6. Entrega melhor experiência perceptível ao público: atende melhor as necessidades ou necessidades diferentes —de forma mais efetiva, barata ou com menos esforço — ou utiliza diferentes materiais, plataformas ou dispositivos.
Pergunta-Chave: Esta solução melhora a experiência do usuário de forma tangível? Ela resolve dores existentes de forma mais eficaz ou atende novas necessidades?
3. Flexibilidade e Adaptabilidade (Mutação/Fenótipo Diferenciado e Deriva Genética): Permitindo que o produto se ajuste a diferentes contextos e evolua de forma inesperada.
3.1. Permite o produto se expressar de forma diferente dependendo do contexto (customizações).
Pergunta-Chave: Quão customizável é esta solução? Ela permite que usuários a adaptem às suas necessidades específicas e contextos?
Exemplo: habilitar funcionalidades avançadas, customizar funcionalidades existentes, painéis de controle configuráveis, temas personalizáveis.
3.2. Possui documentação e modelos pré-fabricados para que facilite o público customizar para o seu próprio caso de uso.
Pergunta-Chave: Estamos fornecendo recursos suficientes para que os usuários explorem a flexibilidade e customização do produto?
Exemplo: Bibliotecas de templates, tutoriais detalhados, exemplos de código aberto.
3.3. Permite o uso da solução para novos casos de uso.
Pergunta-Chave: Esta solução é versátil o suficiente para ser aplicada em cenários não originalmente previstos? Ela abre possibilidades para usos inesperados?
3.4. Facilita o desenvolvimento de novas funcionalidades ou produto (espaço da solução).
Pergunta-Chave: Esta solução serve como uma 'pedra de transição' para futuras inovações? Ela simplifica o desenvolvimento de funcionalidades relacionadas?
Exemplo: Arquitetura modular que facilita a adição de novos módulos, APIs internas bem definidas.
3.5. Contribui com outras estratégias de produto e negócio.
Pergunta-Chave: Como esta solução pode sinergizar com outras iniciativas e estratégias da empresa? Ela pode potencializar outros produtos ou serviços?
Exemplo: Uma nova funcionalidade que complementa um produto existente, fortalecendo o portfólio geral.
4. Engajamento e Ecossistema (Fluxo Gênico): Abrindo o produto para influências externas e construindo conexões.
4.1. O problema a ser resolvido (ou administrado) passou por discussão em um ambiente com diversidade cognitiva.
Pergunta-Chave: Consideramos diferentes perspectivas e modelos mentais ao definir o problema? Buscamos inputs de equipes e pessoas diversas?
Exemplo: Workshops com equipes multidisciplinares, pesquisa com pessoas de diferentes backgrounds.
4.2. A solução passou por discussão em um ambiente com diversidade cognitiva.
Pergunta-Chave: A solução foi avaliada e debatida por um grupo diverso de pessoas? Exploramos diferentes abordagens e ideias?
Exemplo: Uso de protótipos por diferentes pessoas, sessões com equipes de diferentes áreas, feedback de usuários e stakeholders diversos.
4.3. Facilita a criação de soluções pelo público externo para integrar no produto (ex: plugins, extensões, etc).
Pergunta-Chave: Estamos incentivando e facilitando a contribuição da comunidade externa para expandir o produto?
Exemplo: Plataforma aceita desenvolvimento externo de plugins, marketplace de extensões, documentação para desenvolvimento de plugins, programas de desenvolvedores.
4.4. Permite o uso dessa solução integrada em outras soluções de mercado (ex: através de api, solução embutida, etc).
Pergunta-Chave: Quão bem esta solução se integra com o ecossistema tecnológico existente? Ela se conecta com outras ferramentas e plataformas?
Exemplo: APIs abertas para integrações, APIs robustas e bem documentadas, SDKs para integração em outras aplicações, compatibilidade com padrões de mercado.
4.5. Permite o uso em várias partes do produto ou em outros produtos internos (Exaptação).
Pergunta-Chave: Esta solução é reutilizável? Ela pode ser adaptada e aplicada em diferentes áreas do nosso produto atual ou em outros produtos futuros?
Exemplo: Desenvolver componentes reutilizáveis, criar bibliotecas de UI compartilhadas entre produtos.
5. Sustentabilidade e Impacto (Critérios Adicionais e Ciclo de Vida): Considerando as implicações a longo prazo e o impacto no mundo real.
5.1. Melhora a saúde integral do público e das pessoas envolvidas na cadeia de suprimentos (supply chain).
Pergunta-Chave: Esta solução contribui para o bem-estar e a saúde física e mental dos nossos usuários e de todos envolvidos na sua criação e distribuição?
Exemplo: Design ergonômico, foco em acessibilidade, práticas de trabalho justas na cadeia de produção.
5.2. Melhora o meio ambiente no uso da solução e na cadeia de suprimentos (supply chain).
Pergunta-Chave: Qual o impacto ambiental desta solução ao longo do seu ciclo de vida? Estamos minimizando a pegada ecológica na produção, uso e descarte?
Exemplo: Otimização do consumo de energia, uso de materiais sustentáveis, design para reciclagem.
5.3. O produto ou funcionalidade resolvem as necessidades para as quais foram propostos. Se não, seu uso ainda parece importante e útil para outras necessidades? Ele é a melhor forma para resolver essas necessidades?
Pergunta-Chave: Esta solução ainda está resolvendo o problema original de forma eficaz? Se não, ela encontrou um novo propósito valioso? É a solução mais adequada para o problema que se propõe a resolver?
Exemplo: Monitorar métricas de uso e satisfação, coletar feedback de usuários, reavaliar a relevância contínua da solução.
5.4. Seria mais benéfico para a organização, público ou meio ambiente o fim deste produto ou funcionalidade?
Pergunta-Chave: Em algum cenário, descontinuar esta solução seria a melhor decisão? Quais seriam os benefícios e para quem?
Exemplo: Avaliar o custo de manutenção vs. o valor entregue, considerar o impacto ambiental de tecnologias obsoletas, planejar a descontinuação de funcionalidades pouco usadas.
Palavras Finais
Espero que esta lista de critérios, inspirada nas forças da evolução e organizada em temas práticos, sirva como um ponto de partida valioso para suas reflexões e discussões sobre a evolução de seus produtos. Utilize-os de forma flexível e adaptada ao seu contexto específico.
Lembre-se sempre que a busca pela inovação é uma jornada contínua e iterativa, não uma fórmula mágica. Ao invés de buscar um "produto perfeito" estático, foque em construir produtos evolutivos, capazes de se adaptar, aprender e prosperar em um mundo em constante mudança. E, acima de tudo, não se esqueça de considerar o impacto de suas criações no mundo ao seu redor, buscando sempre um futuro mais saudável e sustentável para todos.
Considerações Importantes
Ao finalizar este texto e apresentar os critérios acima, é fundamental destacar algumas considerações importantes para evitar interpretações equivocadas e garantir uma aplicação responsável e eficaz da perspectiva de "produtos evolutivos".
A Sobrevivência a Todo Custo Não é o Objetivo. Um dos pontos cruciais a se ter em mente é evitar a interpretação de que produtos precisam sobreviver "a todo custo". Aceitar a "morte" de um produto ou funcionalidade, ou descontinuá-lo intencionalmente, pode ser o caminho mais benéfica para a organização, para o público e até para o meio ambiente. Isso não impede a reinvenção de soluções sob novas perspectivas, mas reconhece a finitude e o ciclo natural das soluções.
Evolução Não É Sinônimo de "Growth" Desenfreado. Devemos priorizar uma compreensão de "evolução" que vai além de um crescimento linear e dominador, frequentemente associado ao termo "growth" no contexto de negócios. Como mencionado no início do texto, a competição global e a convergência excessiva não são sinais de saúde em termos de biodiversidade, e essa analogia se mantém para produtos e mercados. A evolução prospera na diversidade e na exploração de nichos, não na competitividade e eliminação total da concorrência. É essencial buscar o equilíbrio entre crescimento e sustentabilidade, fomentando um ecossistema de produtos diverso e resiliente, em vez de uma corrida desenfreada por domínio e convergência.
“o objetivo de manter o mercado competitivo tem que superar o objetivo de cada corporação de eliminar seus concorrentes (e fazer lavagem cerebral em seus clientes e engolir seus fornecedores), assim como nos ecossistemas, o objetivo de manter as populações em equilíbrio e evoluir deve superar o objetivo de cada população se reproduzir sem limite”. — Thinking in Systems — A Primer, Donella H. Meadows
A Saúde das Pessoas e do Meio Ambiente Deve Ser Prioridade. Precisamos considerar cuidadosamente o potencial impacto de nossos produtos na saúde das pessoas e no meio ambiente como um todo. É importante avaliar o ciclo de vida completo de nossas soluções e mitigar impactos negativos, desde a concepção até o uso e descarte.
Notas e Referências:
[1] Seleção natural
A interpretação do que é seleção natural pode influenciar como entendemos evolução. Às vezes, a seleção natural é confundida como sendo a própria evolução. Mas, de acordo com a linha apresentada seleção natural é apenas uma das forças que levam à evolução, restringindo o espaço de busca de exploração, permitindo otimização.
Alguns organismos não serão selecionados para se reproduzir e seu potencial não servirá de base para possíveis outros organismos. Ou seja, a seleção natural não promove a evolução, e sim uma otimização na exploração.
Ela faria isso utilizando ao menos dois critérios como estratégia, sobreviver e reproduzir.
Para se manter no fluxo da evolução, os organismos precisam sobreviver e reproduzir para servirem de trampolim para outros possíveis organismos ao longo do tempo. E dependendo das características de um organismo para o contexto do momento, ele pode conseguir passar pela seleção natural ou não.
Os organismo que sobrevivem tornam-se elos de uma cadeia crescente para novas descobertas.
[2] Mutação é uma mudança na sequência de DNA do gene, sendo fonte de novos alelos em uma população.
Há diferença entre gene e alelo: “Um gene é uma parte do DNA ou RNA que controla determinada característica, como a cor da pele ou dos olhos, já o alelo é a variação específica do gene, que vai determinar como essa característica irá se expressar no indivíduo. Por exemplo, o gene da cor dos olhos possui muitos alelos, como alelos para a cor dos olhos azuis, castanhos ou verdes. Os genes que nós herdamos são os mesmos para todos os seres humanos, já os alelos são herdados da mãe e do pai.” — fonte.
Ela é um pequeno erro de cópia que, às vezes, acontece quando um organismo se reproduz.
Esses erros muitas vezes causam as pequenas mudanças visíveis entre pais e prole, e podem ser impactados pela seleção natural.
Quando uma mutação devasta a aptidão de um organismo, então a mutação quase certamente desaparecerá do ambiente rapidamente.
Se a mutação favorece a sobrevivência e reprodução, nesse caso chamamos de adaptação, passando pela seleção natural.
Contudo, se a mutação não afeta muito a aptidão, ela tem destino mais incerto, porque a seleção natural será indiferente a ela.
[3] Deriva genética é o nome dado à mudança aleatória na frequência de alelos. A deriva genética ocorre porque os alelos em uma geração de descendentes são uma amostra aleatória dos alelos na geração dos pais. Os alelos podem ou não chegar à próxima geração devido a eventos casuais, incluindo a mortalidade de um indivíduo, eventos que afetam o encontro de um parceiro e até mesmo os eventos que afetam quais gametas acabam em fertilizações. [saiba mais]
Inicialmente a seleção natural não direcionará essa característica de uma maneira ou outra, e sua evolução irá derivar (desviar aos poucos), podendo se tornar um aspecto importante em nichos futuros.
Nesse sentido, alguma diversidade floresce não por causa da seleção, mas apesar dela.
Quanto menos a seleção estiver agindo, mais seguro é para a deriva explorar.
[4] Fluxo gênico. A migração pode alterar a frequência de alelos pelo processo de fluxo gênico. ScienceDirect — Gene Flow.
[5] Exaptação. Acredita-se que o surgimento de penas ao longo de muitos anos, sobreviveu à seleção natural por ser um benefício, permitindo regulação de temperatura corporal, e posteriormente se tornou uma exaptação para voar.
Assim como os ossos dos vertebrados podem ter originariamente tido a função de armadura protetora ou de armazenamento de fosfato de cálcio nos ancestrais aquáticos, e apenas mais tarde funcionaram como alavancas para os músculos e suporte esquelético.
[6] Concorrência local e global.
Em um primeiro momento pode parecer que a competitividade leve à diversidade, mas talvez não seja bem assim. Os autores do livro dizem que “a evolução é criativa apesar da competição que tolera — não por causa de competição”.
Veja mais o que eles dizem nesse trecho sobre a competição:
Curiosamente, não é por competição que a evolução natural leva à diversidade, mas muitas vezes evitando a concorrência. Em particular, se um organismo pode ganhar a vida de uma nova forma, então ele efetivamente fundou seu próprio nicho.
Por se tornar o primeiro organismo a viver desta nova forma, a competição é menos intensa para os sortudos recém-chegados e pode se reproduzir mais facilmente. Por exemplo, se uma mutação aleatória dá a uma criatura a habilidade de digerir um composto anteriormente não comestível, ele poderia reivindicar toda uma nova classe de alimentos inteiramente para si. Com o tempo, seus descendentes podem se especializar principalmente para consumir este tesouro recém-descoberto, fundando uma nova espécie como resultado.
[…]
Além disso, um novo nicho geralmente possibilita a fundação de novos nichos, e tais nichos mais novos geralmente levam a nichos ainda mais novos. Como uma reação em cadeia, novos nichos emergem continuamente do antigo.
Então, de acordo com eles, surge a pergunta: por que a competição não faz a evolução natural convergir para um única criatura ideal? Já que, assim, haveria uma convergência e acabaria a diversidade e os possíveis nichos que levam a outros.
A resposta pode ser devido à competição não ser global. Ou seja, um organismo não compete com cada outro qualquer organismo existente em qualquer outro espaço.
A competição é local, restrita por vários fatores, como localização geográfica e próprio nicho (ex: aves não competem diretamente com búfalos).
Esse tipo de competitividade apenas local leva a encontrar novos ambientes livres de concorrência, onde permite a sobrevivência e reprodução, e assim promovem diversidade. Ela cria e adapta organismos dentro de seus próprios nichos. E, ao contrário da competição global, encoraja a criação de novos nichos para escapar da concorrência.
Ao descobrir uma nova maneira de viver livre de concorrentes anteriores, a concorrência é reduzida — fugindo dela.
[7] Genótipo e fenótipo. [saiba mais]
A etimologia das palavras pode ajudar a nos lembrar um pouco da diferença dos termos:
genótipo vem de dois termos gregos: genos e typos. Genos significa “originar” e typos significa “característica”. Ou seja, algo que pode dar origem a certa característica.
fenótipo vem de dos termos gregos: pheno e typos. Fheno significa “evidente”. Então, fenótipo seria algo que torna evidente uma característica.
[8] National Human Genome Research Institute — Phenotype: https://www.genome.gov/genetics-glossary/Phenotype