Lidando com alta responsividade sensorial
Um pouco sobre mim
Ela me contou sobre como a dor de cabeça dela melhorou com os exercícios. E começamos a conversar. Comentei sobre a possibilidade de relação com o aumento do fluxo sanguíneo ou neurotransmissores, substâncias químicas que transmitem sinais entre os neurônios (endorfina, dopamina, serotonina).
Enquanto conversávamos, fiquei emocionado. Pensei na dor que minha parceira passou. No fato dela ter melhorado. No potencial de um treino. Na beleza dos neurotransmissores.
Uma conversa curta. Menos de 5 minutos.
Várias vezes em conversas comuns como essa, é como se eu vivenciasse profundamente o que conto, seja real ou imaginado, personificasse palavras e me conectasse emocionalmente.
Meus olhos ficam marejados.
Nessas ocasiões, enquanto me ouço, sou o próprio expectador e ator, de um rápido filme de ação, suspense, drama e comédia.
Quem também já vivenciou experiências fortes com psicodélicos talvez entenda esse tipo de emoções. Mas essas experiências que conto aqui acontecem na sobriedade do dia a dia.
Talvez como uma auto-hipnose. Com os assuntos mais aleatórios possíveis. Excêntrico e até engraçado quando percebo.
Essa é uma das formas de compartilhar sobre minha sensibilidade com estímulos.
Lembro-me na infância-adolescência ainda, da minha mãe sugerir fazer uma festa com os amiguinhos, comprar bolo e outras coisas. E eu negociar se eu poderia receber o dinheiro que gastaria. Assim eu conseguiria duas coisas ao mesmo tempo: evitar estímulos em grupo com super exposição e realizar cursos de tecnologia que eu desejava.
Até cheguei a comentar algo como: “as pessoas virão, comerão, deixarão as coisas sujas, e nós teremos que ficar limpando tudo à noite ainda”.
Eu já imaginava meu desgaste de energia nas interações com muitas pessoas.
Nessa vez, acredito que ela fez um bolinho para comermos em casa com a família mesmo.
Em outra situação, eu estava com minha parceira na casa de minha avó. Lá estavam meus pais e mais um ou outro familiar. Foi uma delícia vê-los. Eu estava com saudade, pois não nos vemos com tanta frequência. Eles moram no Espírito Santo. Eu morava em São Paulo.
Isso deve ter ocorrido há 2 ou 3 anos apenas.
Papo vai e papo vem no dia. Estávamos conectados. Sentindo carinho uns pelos outros. Algumas horas depois, talvez 2 ou 3, percebi que havia me esgotado de energia.
Precisei avisá-los e dizer que precisaria me retirar. Trocamos beijos e fui para a casa.
Eles ofereceram dar carona. Optei por fazer uma caminhada de algo como 20 minutos para pegar o metrô com minha parceira. Serviria até para eu ir recarregando e respirando outros ares.
Tenho uma inclinação a me aprofundar e focar intensamente em uma conversa. O que me gera cansaço mais rapidamente.
Estar em meio a um grupo grande de pessoas, me gera um desgaste precoce. Um alarme é disparado internamente quando há um grupo total com mais do que seis pessoas. Esse número não é exato, mas é um bom parâmetro.
Tenho preferência a estar em grupos reduzidos de pessoas, para me conectar.
Já deixei de participar de alguns encontros comemorativos de família e amigos por questão dos estímulos no contexto e em como eu me sentia.
Me sinto esgotado mais facilmente após interagir com as pessoas ou participar de atividades sociais.
Criar compromissos com alguém com muita antecedência me gera ansiedade com facilidade. Se eu me comprometo com alguém, me dedico para fazer acontecer. Então, prefiro deixar para decidir mais próximo do momento para saber como estará meu contexto.
Para mim é mais natural observar padrões de comportamentos, expressões ou mesmo fazer uma leitura rápida de ambientes. Essa atenção às sutilezas, tem seus benefícios e também possíveis prejuízos.
Eu me sinto facilmente sobrecarregado por estímulos sensoriais, como um ambiente barulhento ou movimentado. Ou um ambiente com muitos elementos visuais. Assim como ambientes desorganizados.
Basta uma moto com motor barulhento passar e pareço que vou implodir. Respiro lentamente por algum tempo, concentrado.
Sou facilmente afetado por pessoas com padrões negativos — que repetidamente reclamam, de acharem que o mundo conspira contra elas ou de acharem que tudo que os outros fazem é querendo prejudicar elas. Preciso respirar fundo para lidar com o incômodo e acolher.
No passado eu não saberia dar um nome para essa alta responsividade sensorial. Algumas pessoas até já brincaram dizendo que eu era “diferente”. E eu até assumia esse rótulo como algo benéfico, pois facilitava. Se não sou “normal”, permite que algumas pessoas se interessem em me entender melhor ou ao menos respeitar a diferença.
Há poucos anos, eu descobri um conceito que resume algumas dessas minhas características com relação aos estímulos: “Pessoa Altamente Sensível”, ou PAS. [Aliás, o título desse artigo originalmente era “O que é ser uma⚡Pessoa Altamente Sensível?”; mais abaixo espero que entenda o motivo de eu ter mudado].
Com essas minhas características pessoais e limitações de interações, acabei experimentando diversas estratégias para conseguir funcionar socialmente e também atender às minhas necessidades. Para descobrir o que funcionava para mim.
Experimentei diversas rotinas para criar hábitos intencionais. Diversos tipos de alimentação e exercícios. Formas de me relacionar. Diversas profissões. Formatos de trabalho.
Foi assim também que percebi minha tendência em viver de forma mais minimalista ou essencialista, antes desses termos se tornarem tão populares no Brasil ou fora. Estilo e estratégia que adotei para atender minha necessidade de minimizar estímulos, ser mais prático e investir menos tempo e dinheiro para uma vida tranquila.
Cheguei a ter um blog para escrever sobre esses assuntos e simplicidade. Acredito que por volta de 2008.
Nem todas as pessoas entendem minhas limitações. E imagino também que muitas pessoas não se sentem entendidas na sua beleza e complexidade de ser.
Meu desejo é que cada pessoa possa ser respeitada assim como respeitar às outras. E que possa encontrar, formas satisfatórias de viver.
Uma mistura de sorte, necessidade e curiosidade me permitiram encontrar estratégias para viver uma vida com o suficiente e com contentamento.
Eu desejo que mais pessoas também consigam isso.
Alinhado a isso, no fim de 2023, criei um projeto chamado “Estilo de Vida Experimental” para apoiar outras pessoas encontrarem um estilo de vida adequado aos seus valores e características próprias.
Pessoa Altamente Sensível
Pessoas Altamente Sensíveis (PAS) são reconhecidas por uma maior sensibilidade do sistema nervoso central a estímulos físicos, emocionais ou sociais.
O termo "Pessoa Altamente Sensível" foi cunhado pela psicóloga americana Elaine Aron, Ph.D., em seu livro "The Highly Sensitive Person: How to Thrive When the World Overwhelms You", publicado em 1996. Aron é a principal pesquisadora sobre a sensibilidade elevada e desenvolveu um questionário, o "Highly Sensitive Person Scale", para identificar pessoas com esse traço de personalidade.
Abaixo está um resumo simplificado das características de uma pessoa PAS:
Ponderação amplificada: intensidade e complexidade de pensamentos e reflexões frequentes.
Percepção de sutilezas amplificada: tendência a prestar atenção a sutilezas, no ambiente, nas pessoas e em si mesmas.
Conexão amplificada: maior inclinação à empatia, identificação com emoções e necessidades de outras pessoas e animais.
Processamento sensorial amplificado: grande sensibilidade tanto com estímulos físicos — visuais, auditivos, táteis, olfativos e gustativos, quanto com estímulos emocionais.
Esgotamento amplificado: mais propensão a se sentirem esgotadas por estímulos sensoriais, emocionais ou intelectuais. Fadiga física e mental. Irritabilidade.
Por um lado, usar um conceito como esse poderia, aparentemente, trazer compreensão para mais pessoas.
As pessoas poderiam ter empatia sem me conhecer profundamente. Adequar expectativas, estratégias e ambientes.
Porém, já considero mais perigoso do que útil. Somos muito mais do que simples rótulos. Mais complexos. Mais diversos.
Rótulos aprisionam. Criam uma profecia autorrealizável. Criam histórias dominantes sobre nossas vidas.
O risco pode ser maior do que algum benefício. E apesar de ter experimentando usar a ideia de PAS por um tempo, já tenho evitado ao máximo.
Melhor eu falar sobre a “alta responsividade sensorial” que por vezes faz eu lidar com necessidades com maior intensidade dependendo do contexto. Não é mais sobre quem eu sou — sou um fluxo diverso e complexo. É sobre mais uma das diversas coisas que eu lido e me relaciono na vida. Com todas nuances de benefícios e desafios.
Seria ótimo se pudéssemos tentar entender e respeitar as necessidades e contextos de cada pessoa, sem depender de rótulos abrangentes. Cada pessoa poderia ser admirada em sua complexidade.
Por isso gosto de adaptar a expressão popular “Trate a outra pessoa como você gostaria de ser tratada” para “Trate a outra pessoa como ela gostaria de ser tratada”. A régua para medir o mundo deixa de ser nós.
PS 1: Você pode saber mais profundamente sobre mim no texto Como simplifiquei minhas rotinas para manter uma vida mais saudável e sobre diversos aspectos de vida no “Sobre” do site.

