desconstruindo o ritual 1:1
mantendo um ecossistema de apoio e desenvolvimento
o ritual da reunião 1:1 é quase sagrado no manual de gestão. a intenção por trás costuma ser boa, um espaço para escuta, para o desenvolvimento, para construir confiança.
na prática, porém, a experiência frequentemente se afasta da promessa. mesmo com boas intenções, muitas vezes replicamos o "modelo de fábrica" que internalizamos por décadas: um lugar de comando, controle e co-dependência, onde se espera que alguém nos diga o que fazer. o que deveria ser uma ponte de diálogo se torna um status report disfarçado, uma performance de vulnerabilidade, uma conversa forçada sobre a vida pessoal que mais constrange do que ajuda, ou, simplesmente, mais um item riscado de uma lista de tarefas. com frequência, o ritual acaba por minar a própria colaboração que deveria apoiar. discussões estratégicas que beneficiariam o coletivo ficam confinadas a dois, transformando o gestor em um gargalo de informação e criando uma dinâmica de dependência, em vez de um conhecimento construído em conjunto.
além disso, o formato reforça uma visão individualista do trabalho. o foco no "eu" — meu desempenho, minha carreira, meus problemas — nos desvia de olhar para o sistema. acabamos caçando culpados ou heróis individuais, quando a maior parte dos resultados emerge das interações e do ambiente. a conversa nos leva a perguntar "o que você pode fazer diferente?", em vez de "o que no nosso sistema está produzindo este resultado?".
a própria recorrência do encontro cria uma escassez artificial de atenção. ao transformar o apoio em um evento agendado, a mensagem implícita é que a ajuda é um recurso limitado, disponível apenas naquela janela de tempo, em vez de ser um fluxo contínuo e orgânico. em outros casos, na busca por uma conexão mais humana, a conversa descamba para uma espécie de sessão de terapia amadora, onde o gestor, sem preparo, se vê em uma posição delicada e inadequada. a privacidade da sala a dois, sem outras perspectivas, pode se tornar também um campo fértil para que crenças e vieses de ambos se reforcem mutuamente, em uma sala de espelhos que mais distorce do que clareia.
a própria estrutura, pensada para libertar a conversa, muitas vezes a aprisiona de formas inesperadas.
o problema talvez não esteja apenas na execução, mas na premissa.
a recorrência de um encontro convocado por alguém com poder hierárquico reforça, mesmo que de forma sutil, a dinâmica que se pretendia suavizar. solidifica a ideia de um "gestor" que oferece seu tempo a um "gerido", que por sua vez deve se apresentar e receber "desenvolvimento".
mesmo os termos "líder" e "liderado", muitas vezes usados como sinônimos, são ainda mais traiçoeiros, pois mascaram o fato de que liderança é uma dinâmica social e voluntária. ter um cargo de chefe não garante que alguém seja um líder, se ninguém o segue por escolha própria. a liderança real é mais fluida. seja ela emergente ou previamente acordada, ela se dissolve e troca de mãos conforme o contexto muda.
a estrutura da 1:1 ignora essa dança, tentando congelar um poder estático que raramente corresponde à realidade da influência.
em vez de "como posso conduzir boas 1:1s?"
isso nos leva a trocar a pergunta. em vez de "como posso conduzir boas 1:1s?", a questão se torna:
— "como podemos cultivar um ecossistema de apoio e uma convergência de esforços que seja clara e voluntária?".
a escolha por "convergência de esforços" é deliberada. ela busca evitar a armadilha do termo "alinhamento", que na prática pode esconder tanto uma ordem disfarçada quanto um convite genuíno para colaborar.
da mecânica à jardinagem: um ecossistema de apoio
a metáfora muda. saímos da mecânica e entramos na jardinagem. não se comanda um jardim; cuida-se das condições para que ele floresça. um ecossistema de apoio não depende de um único tipo de interação, mas de um leque de possibilidades, como ferramentas diferentes num galpão.
poderíamos experimentar com práticas mais fluidas, que podem ser iniciadas por qualquer um, a qualquer momento.
um cardápio de exemplos para experimentos:
a conversa no fluxo do trabalho aberta a todas pessoas possíveis: o apoio contextualizado e aberto a qualquer pessoa do time ou organização, que acontece onde o trabalho vive. um comentário útil em card do quadro de tarefas, ou proposta documentada, uma resposta na thread do canal de projeto. o valor aqui está na relevância. a ajuda é aplicada diretamente no contexto em que ele surge, em vez de ser uma abstração guardada para uma reunião futura ou ferramentas mais distantes de onde o trabalho acontece ou é representado.
o "sinal de fumaça" para pedir ajuda: um canal de comunicação dedicado onde qualquer um pode sinalizar uma necessidade, sem ter que explicar o problema todo. o pedido pode ser enquadrado em busca de uma força, como: "sinal de fumaça: buscando alguém que curte e tem experiência em organizar planilhas para me dar uma luz aqui.". o ônus se inverte e quem pode e quer ajudar oferece o apoio no privado.
o "manual de como pedir minha ajuda": incentivar as pessoas a terem em seus perfis um pequeno guia sobre a melhor forma de abordá-las. o manual pode indicar em que tipo de problema a pessoa se sente mais energizada para ajudar, eliminando a ansiedade de quem pede em "bater na porta errada".
o gatilho proativo e voluntário: uma mensagem privada e assíncrona, que pode ser iniciada por qualquer pessoa para qualquer pessoa, desacoplando-a da hierarquia. para que a interação seja construtiva e não um convite à ansiedade, a sugestão é começar com uma pergunta focada no engajamento, e só então abrir espaço para ajuda.
essa abordagem de "liderar com o que fortalece" muda o tom padrão da conversa. alguns exemplos:
"e aí, [nome], qual foi a parte do seu trabalho essa semana que você mais curtiu fazer? (e, se tiver algo em que eu possa ajudar ou só quiser trocar uma ideia, estou por aqui)."
"vi que você estava trabalhando na [tarefa x]. teve algum momento ali em que você sentiu mais energizado(a)? se tiver qualquer ponto de atrito, conte comigo."
a chave para que essa prática funcione como apoio, e não controle, reside em um paradoxo: ao mesmo tempo que a pergunta busca mapear o engajamento, a cultura — e recomendação — precisaria incentivar que a resposta possa ser um simples "valeu pelo carinho, tudo indo bem por aqui!", sem nenhuma pressão para elaborar.
a pergunta de qualidade sinaliza a intenção do convite — é sobre a conexão da pessoa com o trabalho, não sobre status. a liberdade de dar uma resposta curta garante a segurança da interação — é um convite, não uma intimação. é a certeza de que a porta de saída está sempre aberta que torna o gesto genuíno. uma resposta breve não representam uma falha na comunicação, mas o sucesso de um ambiente baseado em respeito e autonomia.
o café virtual — voluntário, aberto e recorrente: um "café virtual" semanal, com um link sempre aberto em um horário fixo, mas sem pauta. funciona como um recurso de "puxar" (pull) em vez de "empurrar" (push). um guardião semanal, talvez rotativo entre alguns membros ou de um círculo de mentores (uma prática que veremos adiante em “hubs de mentoria”), se responsabiliza por abrir o espaço. quem precisa ou apenas deseja, aparece, o que abre espaço para a serendipidade.
o "horário de atendimento" com fila virtual: uma evolução do café aberto para assuntos que exigem privacidade. um bloco de tempo fixo onde se usa a função de "sala de espera" para criar uma dinâmica de fila previsível com tempo oportunidade e tempo igual a todos. cada pessoa atendida individualmente teria 15 ou 20 min.
o fantasma na máquina: decodificando o poder
nenhuma dessas práticas requer um "chefe". elas podem florescer entre pares. mas ainda aqui, emerge um fantasma. mesmo em sistemas sem chefes, a natureza humana encontra um caminho. surgem os "gurus" informais. a hierarquia retorna pela janela dos fundos, agora invisível.
aqui, o papo sobre "hierarquia vs. horizontalidade" se mostra uma distração. como aponta richard bartlett, a forma da estrutura importa menos do que as dinâmicas de poder que ela permite. ele propõe uma distinção útil entre três tipos de poder: o "poder-sobre" (coerção), o "poder-com" (a influência social) e o "poder-de-dentro" (nossa potência criativa). [1, 2]
com essa lente, o propósito de um ecossistema saudável se torna mais claro e prático: minimizar a coerção, tornar a influência social transparente e maximizar a potência criativa de cada um.
a jardinagem sutil: práticas para modelar o poder
a jardinagem, então, não é sobre desenhar o organograma perfeito, mas sobre cultivar práticas que modelem ativamente essas dinâmicas de poder. trata-se de adotar uma "higiene relacional" contínua.
primeiro, tornar o conhecimento tácito em explícito.
o conhecimento tácito é o saber que vem da experiência, o "jeito de fazer" que vive na cabeça das pessoas e não está em local algum. é a fonte de poder e também o gargalo do "guru". a prática para mudar isso é um hábito: a ajuda oferecida a alguém não termina quando a dúvida é resolvida em uma conversa.
ela só se completa quando a resposta é documentada de forma que outras pessoas possam encontrá-la no futuro, sem precisar perguntar. com essa rotina, o conhecimento é finalmente separado da pessoa e se torna um ativo do ecossistema, disponível para todos.
segundo, favorecer o aprendizado com estruturas mínimas e explícitas.
ao remover a figura do gestor, a tentação é não colocar nada no lugar, acreditando em um aprendizado puramente orgânico. no entanto, como alertou jo freeman em seu ensaio "a tirania da ausência de estrutura", um grupo sem nenhuma estrutura formal permite que hierarquias informais, baseadas em carisma ou capital social, floresçam de forma invisível e não-responsável.
por outro lado, criar um "programa de mentoria" formal e burocrático seria cair na mesma armadilha do "modelo de fábrica".
um ecossistema saudável oferece múltiplos caminhos para o aprendizado, atendendo a diferentes perfis e necessidades.
para evitar tanto a rigidez de um programa formal quanto a ausência de estrutura (onde apenas os mais proativos se beneficiam), podemos experimentar com ao menos duas abordagens que se complementam:
a) a cultura do "aprendiz" (o caminho emergente)
para que o aprendizado floresça sem depender apenas da coragem dos mais proativos, o caminho não é criar um processo, mas nutrir uma cultura com múltiplas "portas de entrada". trata-se de oferecer um cardápio de interações para que as pessoas possam se aproximar umas das outras da forma que lhes parecer mais segura e autêntica.
alguns exemplos possíveis:
a troca com "pele em jogo": uma abordagem para pedidos de maior investimento, transformando a interação em uma parceria.
"— posso te ajudar com [tarefa x] e, em troca, você me permite observar como você lida com [desafio y]?"
o convite à observação: a porta de entrada de menor atrito, para aprender sem interromper o fluxo de trabalho do outro.
"— haveria um momento em que eu poderia 'ser uma sombra' enquanto você trabalha em [desafio y]? meu objetivo é só absorver o processo."
a conexão pela energia: parte da admiração e da curiosidade genuína, em vez da necessidade, tornando a interação mais humana.
"— notei a fluidez que você tem com [situação z]. é algo que também me energiza. você se importaria de compartilhar em 15 minutos qual seu modelo mental para isso?"
o pedido por um reflexo: busca um feedback útil após uma ação, focando na experiência do observador, não em um julgamento — uma prática que exploraremos com mais profundidade adiante em “as reações dos outros”.
"— ao me ver apresentando [o projeto x], qual foi o momento em que sua atenção foi mais capturada e houve algum em que sua energia caiu?"
ter essas diferentes abordagens disponíveis não é sobre seguir um script. é sobre dar a todos a permissão e a linguagem para se conectar, tornando o aprendizado uma parte fluida e natural do trabalho, em vez de um evento formal ou um favor.
b) os hubs de mentoria (o caminho explícito)
para quem precisa de um ponto de partida mais claro, um experimento são estruturas mínimas e explícitas que promovam o aprendizado sem gerar rigidez.
tornar os círculos de conhecimento visíveis, criando "hubs de mentoria" temáticos e rotativos. uma "porta" explícita onde se pode bater para pedir ajuda.
são papéis de apoio, com responsáveis escolhidos pela comunidade por um tempo determinado, cuja principal função é transferir autonomia.
para tarefas mais bem definidas, uma forma de visualizar essa transferência pode ser a progressão explícita de "treine e saia do caminho" inspirada em uma ideia de Chuck Blakeman:
o mentor faz, o aprendiz observa. o aprendiz começa mapear e avaliar os padrões, linha de pensamento, tomadas de decisão e tipos de solução..
o aprendiz faz, o mentor observa. nesta fase, o mentor atua como suporte, desenvolvendo os "músculos mentais" da outra pessoa ao fazer perguntas em vez de dar respostas.
o mentor sai do caminho. o ciclo se completa quando o aprendiz tem autonomia para identificar e implementar suas próprias soluções. esses mentores não são chefes. eles ativamente buscam delegar decisões para que seu papel de decisor se torne cada vez menor, distribuindo o "poder-com" e evitando que ele se solidifique em "poder-sobre".
terceiro, falar abertamente sobre o poder.
esta é a prática que amarra as outras. significa quebrar o tabu e criar rituais seguros para tornar o "poder-com" (a influência) visível, em vez de deixá-lo operar nas sombras. mas como fazer isso na prática?
um caminho é através de "mapas de poder" ou "retrospectivas de influência". em um espaço seguro, o grupo pode, por exemplo, responder de forma anônima em post-its às perguntas que já fizemos: "quem de fato toma as decisões sobre x aqui?", "a quem você recorre quando está travado em y?". as respostas são então agrupadas em um quadro, sem nomes, para criar um mapa visual da percepção coletiva da influência.
a intenção desse mapa não é apontar dedos, mas permitir que o grupo olhe para sua própria dinâmica e pergunte: "estamos confortáveis com este padrão? ele nos serve? há alguma dependência excessiva que nos torna frágeis? que pequeno experimento podemos fazer para distribuir melhor essa influência?". essa conversa contínua, ancorada em dados gerados pelo próprio grupo, é o que permite ao time ajustar e reequilibrar suas próprias dinâmicas, em vez de ser governado por elas de forma inconsciente.
quarto, definir e proteger os limites do jardim.
um ecossistema de apoio não é uma família nem um consultório de terapia. a busca por relações humanas no trabalho não pode se tornar um convite para transgressões de papéis. a prática aqui é criar acordos explícitos sobre o escopo do apoio e normalizar rotas de fuga seguras. significa dar a qualquer pessoa a permissão e a linguagem para dizer: "sinto que este assunto é importante, mas está além da minha capacidade de te ajudar de forma adequada. posso te apresentar o contato do nosso serviço de apoio profissional?".
a prática, no entanto, exige um detalhe crucial: pode ser importante que esse serviço seja externo e independente.
a razão é proteger a pessoa de um conflito de interesses fundamental. uma pessoa interna, mesmo que seja um profissional de saúde, ainda responde à organização. um apoio confidencial e seguro precisaria estar fora da estrutura de poder da empresa, garantindo que o bem-estar do indivíduo seja a única prioridade.
este ato de encaminhamento não é uma falha de cuidado, mas uma forma mais responsável. ele protege tanto quem pede ajuda quanto quem oferece, garantindo que o jardim não seja sobrecarregado com demandas que ele não foi feito para suportar.
lidando com as sombras: sobre poder, sobrecarga e desenvolvimento pessoal
mesmo um jardim bem cuidado tem suas sombras: as hierarquias informais que insistem em brotar, o risco de sobrecarregar os mais experientes e a possibilidade de uma visão fragmentada do desenvolvimento de cada um. para lidar com essas tensões, podemos experimentar com outras práticas:
mapear a influência.
em vez de deixar que a rede de ajuda seja invisível, o grupo pode, periodicamente, torná-la explícita. um simples exercício de perguntar "para quem você recorre quando precisa de ajuda em x?" e visualizar as respostas em um quadro revela os padrões reais de influência e dependência. isso não serve para criticar, mas para observar e perguntar: "essa distribuição nos serve? como podemos cultivar mais pontos de apoio?".
tratar a jardinagem como trabalho.
o esforço de mentorar, documentar e facilitar precisa ser visível e valorizado. isso pode significar alocar uma parte do tempo de todos para essas atividades ou incluir tarefas de "manutenção do ecossistema" nos planejamentos. quando o cuidado com o sistema é visto como parte do trabalho, e não como um favor feito no tempo livre, ele se torna sustentável.
desenhar o mapa dos seus pontos fortes.
para combater a "visão fragmentada", o sistema precisa apoiar cada um a se tornar um bom cartógrafo de si mesmo. aqui, podemos nos inspirar nas ideias de marcus buckingham para criar um mapa que não busca o equilíbrio, mas sim a clareza sobre nossas fontes de energia e contribuição única. a armadilha, como ele aponta, seria dar o mesmo peso a todas as fontes de informação. a proposta dele inverte essa lógica, estabelecendo uma hierarquia clara de dados.
a sua bússola interna (a fonte primária)
este é o norte do seu sistema. a fonte de dados mais confiável sobre você é você mesmo. em seu livro love + work, buckingham sugere uma prática simples: por uma semana, mantenha um registro de "amei" e "detestei". ao final de cada dia, anote as atividades que te energizaram (amei) e as que te drenaram (detestei). este diário não é sobre o que você é bom ou ruim, mas sobre o que te fortalece e o que te enfraquece.
o impacto no sistema (o contexto estratégico)
a pergunta — "o que nosso esforço conjunto de fato moveu no mundo real?" — serve como um mapa de oportunidades e demandas do ambiente. esse contexto é estratégico, pois nos ajuda a entender onde nossas fontes de energia se cruzam com as necessidades do sistema. ele nos ajuda a responder perguntas como:
se uma atividade que me energiza também gera um grande impacto positivo, encontrei um ponto de alavancagem importante. a pergunta se torna: "como posso fazer mais disso?".
se uma atividade que me energiza parece ter baixo impacto, o desafio é outro: "o valor desta minha contribuição não está claro para o sistema? ou estou investindo minha melhor energia em algo que não é necessário aqui?".
e o cenário mais comum e importante: se uma atividade que me drena gera um alto impacto, o contexto é crucial. ele me informa que o trabalho é valioso, então não posso simplesmente ignorá-lo. a questão estratégica passa a ser: "dado que isso é importante para o time, como podemos garantir que seja feito, mas não por mim? posso ensinar alguém que ame fazer isso? posso redesenhar o processo para que ele dependa de um dos meus pontos fortes?".
as reações dos outros (os reflexos, não os julgamentos):
esta é a fonte mais traiçoeira e precisa ser usada com cuidado. como marcus buckingham detalha em nine lies about work, o feedback que recebemos diz mais sobre quem o dá do que sobre nós. a busca por uma avaliação objetiva de um ser humano por outro é uma fantasia. a única fonte de dados confiável que podemos obter de alguém é um relato de sua própria experiência subjetiva.
por isso, a pergunta nunca deve ser "o que você achou de mim?" ou "sou um bom ouvinte?", que convidam a um julgamento falho. a pergunta útil é sobre a experiência de quem observa. em vez de pedir uma avaliação, pedimos um relato da percepção ou do sentimento da outra pessoa.
a diferença é sutil, mas profunda. em vez de perguntar "sou um bom ouvinte?", a pergunta se torna "você se sente ouvido quando conversamos?". a primeira busca um rótulo; a segunda busca uma experiência vivida.
da mesma forma, após uma apresentação, em vez de um "foi bom", a pergunta poderia ser "qual foi o momento que mais te capturou a atenção, e houve algum em que você se sentiu um pouco perdido ou sua energia caiu?". a resposta poderia ser: "senti uma onda de clareza quando você mostrou o gráfico, mas senti minha energia cair na parte do cronograma".
esta abordagem nos dá dados de alta fidelidade sobre o nosso impacto no estado interno de outra pessoa. não recebemos um julgamento, mas um reflexo da nossa ação no mundo. é com esses reflexos que podemos entender melhor nossas forças, não com as avaliações e os rótulos que os outros tentam nos impor.
com essas fontes, a intenção da reflexão muda. não se trata de buscar um consenso ou uma "narrativa de crescimento" equilibrada. a questão é responder a perguntas estratégicas: "como posso, intencionalmente, redesenhar meu trabalho para incluir mais atividades que me fortalecem? e para as tarefas que me drenam, que estratégias posso usar para mitigar seu impacto — como automatizá-las, limitar seu tempo ou redesenhar a forma como as faço? se isso não for suficiente, com quem posso me associar para que essa atividade seja feita por alguém que encontre força nela?".
prática, não destino
não há uma solução final para essa busca. não chegaremos a um jardim perfeitamente planejado e livre de ervas daninhas. o que podemos fazer é nos comprometer com a prática da jardinagem: um acordo prático e em constante negociação com a nossa própria natureza social.
a arte da jardinagem, afinal, não é apenas sobre a estrutura dos canteiros ou a espontaneidade das sementes. é a tensão constante entre saber quando oferecer a estaca que apoia e guia o crescimento, e quando se afastar para que a planta se fortaleça por si mesma ao encontrar o sol. essa prática não tem um fim. ela é o próprio cultivo.
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Texto atualizado em 2025 especialmente para o meu blog no substack. Publiquei esse texto originalmente em fevereiro/2021 no blog da consultoria de design organizacioanl, Target Teal, com o título “A armadilha do Nine Box” e em meu outro blog anterior no medium.com.
Esse modelo pressupõe alta segurança psicológica e uma equipe muito madura. Já vivi isso, mas é raro, exige um mercado de dinheiro barato e salarios altos (pre-22). Eu teria isso como objetivo (utopia?). Mas com o mercado atual, acho que a realidade vai se impor.
No caso dessa equipe super madura, eu acho que preferiria nem ter o gerente.